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“O Grande Medo”: estudo revela como rumores funcionaram como vírus na Revolução Francesa

Pesquisadores aplicam modelos epidemiológicos para explicar a disseminação de boatos em 1789

Entre julho e agosto de 1789, a França rural foi tomada por rumores de que gangues a serviço da nobreza destruíam plantações e aterrorizavam camponeses para sufocar a Revolução. Embora falsos, esses boatos provocaram uma reação em massa: comunidades aterrorizadas se armaram e passaram a atacar castelos e casas senhoriais. O episódio entrou para a história como “O Grande Medo”, uma das etapas cruciais da Revolução Francesa.

O movimento, que levou o governo a abolir os últimos resquícios do sistema senhorial, sempre intrigou historiadores. Afinal, como os rumores surgiram e se espalharam? Foram parte de uma estratégia racional dos revolucionários ou fruto do pânico coletivo?

Modelos da ciência para explicar a história

Um grupo de pesquisadores decidiu investigar a questão usando uma ferramenta incomum: modelos epidemiológicos, normalmente aplicados para entender a propagação de doenças contagiosas. A lógica é que boatos se espalham de forma semelhante a vírus, saltando de grupo em grupo e criando ondas de “infecção social”.

Para estruturar o estudo, a equipe utilizou documentos reunidos pelo historiador francês Georges Lefebvre em 1932, além de mapas das estradas francesas do século XVIII. Com essas informações, foi possível reconstruir os caminhos de circulação dos rumores e medir a velocidade da propagação.

O surto de rumores

Os resultados, publicados na revista Nature, mostram que o Grande Medo se comportou como um surto viral, com ondas distintas de disseminação. O pico ocorreu em 30 de julho de 1789, seguido por uma rápida redução nas semanas seguintes.

Ao contrário da hipótese de que camponeses pobres e analfabetos foram os principais vetores, os dados indicam que vilarejos mais escolarizados e ricos estavam entre os mais suscetíveis. Nessas regiões, a posse da terra era mais concentrada, e a documentação que legitimava o poder dos senhores feudais era alvo das revoltas. Assim, a destruição de arquivos jurídicos parece ter sido parte de um movimento calculado.

Uma “pandemia política”

Para quem não é da área, pode-se comparar o fenômeno a uma epidemia de gripe: quanto mais pessoas em contato e mais frágeis as defesas, maior o contágio. No caso francês, as “defesas sociais” eram frágeis em locais com maior concentração de poder e desigualdade. Isso explicaria por que os rumores circularam com tanta intensidade justamente nas regiões em que os lordes controlavam a terra e exigiam comprovações documentais.

O estudo aponta que essa disseminação não foi apenas irracional. Pelo contrário, houve uma lógica política: enfraquecer juridicamente as elites feudais, destruindo documentos que garantiam sua legitimidade. Assim, o Grande Medo pode ter sido menos um reflexo do pânico coletivo e mais uma ação social e racional diante de um sistema injusto.

Conclusão

O uso de modelos epidemiológicos trouxe novas respostas para um dos episódios mais misteriosos da Revolução Francesa. O Grande Medo funcionou como uma epidemia de rumores, mas com um componente estratégico que enfraqueceu o poder da nobreza e acelerou a queda do sistema feudal. Mais do que fake news do século XVIII, o episódio revela como a informação – mesmo quando distorcida – pode ser usada como arma política decisiva em tempos de transformação social.

Traduzido e adaptado de Superinteressante

Redação do Movimento PB [PTG-OOO-05092025-6FA9C2-12V]


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