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Pirarucu, o peixe gigante que virou bolsa de luxo, mas pouco rende ao bolso dos pescadores da Amazônia

Apesar de ser um sucesso como exemplo de manejo sustentável, o modelo de negócio enfrenta críticas por falta de remuneração justa para os pescadores e por fragilidades na fiscalização do contrabando.

O pirarucu, o gigante das águas amazônicas que já esteve à beira da extinção, ressurge como um símbolo de sustentabilidade e um valioso produto no mercado de luxo. Sua pele, espessa e resistente, é usada para criar bolsas e acessórios que chegam a custar milhares de reais. O modelo de manejo, que controla a pesca e garante a conservação da espécie, é apoiado pela indústria da moda e por autoridades ambientais. Contudo, pescadores e especialistas alertam que o dinheiro gerado por essa cadeia de produção, que movimenta o mercado de luxo nacional e internacional, não chega, em sua maioria, a quem garante a preservação do peixe.

Pedro Canízio, vice-presidente da Federação de Manejadores de Pirarucu de Mamirauá, critica o sistema e aponta a grande discrepância entre o preço final do produto e o valor que os pescadores recebem. “O manejador não chega nem perto de comprar um produto desse, porque é muito caro”, desabafa, enquanto o quilo do peixe inteiro é vendido por R$ 11 na região. A consultora Fernanda Alvarenga, que estudou o mercado do couro do pirarucu, afirma que essa é uma realidade comum em produtos da Amazônia, com a maioria dos lucros concentrados na indústria e nos intermediários, e não na base da cadeia produtiva.

Legenda da foto, Acessórios com couro de pirarucu que custam milhares de reais são anunciados no site da marca Osklen

Do manejo à vitrine: a complexidade de uma cadeia produtiva

O sucesso do manejo sustentável, que permitiu que a população de pirarucus se recuperasse após quase ser extinta na década de 1990, está ameaçado pela falta de remuneração justa. O modelo atual funciona da seguinte forma: as comunidades locais, com autorização do Ibama, vigiam e protegem os lagos, e apenas 30% dos peixes adultos podem ser capturados. A pele é então separada da carne e enviada a curtumes, como a brasileira Nova Kaeru, que a transformam em couro para marcas de luxo. É nessa etapa final que o produto tem seu maior valor agregado, mas é também onde a concentração de mercado é maior, com poucas empresas dominando o processamento e a exportação.

A falta de concorrência e a dificuldade de acesso a tecnologias de processamento do couro pelas comunidades locais são os maiores obstáculos. O presidente do Memorial Chico Mendes, Adevaldo Dias, aponta que a não concorrência e o atraso nos pagamentos tornam a atividade pouco atraente para os manejadores, que poderiam migrar para atividades mais danosas ao meio ambiente em busca de sustento. Embora empresas como a Nova Kaeru e a Osklen afirmem que estão comprometidas com o desenvolvimento das comunidades, a realidade é que o elo inicial da cadeia produtiva ainda é o que menos se beneficia financeiramente. A solução, segundo Ana Alice Oliveira, da Associação dos Produtores Rurais de Carauari, está em políticas públicas que invistam em tecnologia para que os próprios pescadores possam processar o couro, garantindo um lucro mais justo.

O risco do contrabando e a falta de fiscalização

Além das desigualdades de mercado, a cadeia do pirarucu enfrenta um problema ainda maior: a pesca ilegal e o contrabando. O assassinato do jornalista britânico Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira, em 2022, expôs a fragilidade da fiscalização na Amazônia e o envolvimento de grupos criminosos na pesca ilegal. O chefe de Fiscalização do Ibama, Igor de Brito, admite que a falta de recursos e de pessoal impede um combate efetivo ao contrabando. Ele reconhece que os números de apreensões estão longe de serem representativos do volume real de pesca ilegal. A falta de um sistema que acompanhe toda a cadeia produtiva, do rio até a loja, facilita a entrada de peixes e peles ilegais no mercado. A consultora Fernanda Alvarenga alerta que, com tanto peixe ilegal sendo capturado, não há segurança de que o couro comprado pelas empresas vem exclusivamente do manejo legal. A luta pela valorização dos pescadores e a fiscalização do contrabando são urgentes para garantir que o pirarucu seja, de fato, um símbolo de sustentabilidade e não apenas mais um produto da exploração da Amazônia.

Da redação com informações da BBC News Brasil

Redação do Movimento PB GME-GOO-21082025-C8D7F9-25F


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