Por que Suriname e Guianas não se veem como sul-americanas: isolamento geográfico, colonização e identidade cultural únicas
Suriname e as Guianas — que compreendem Suriname, Guiana e Guiana Francesa — formam uma região peculiar localizada no extremo norte da América do Sul. Apesar da proximidade geográfica com países como Brasil e Venezuela, essas nações têm uma percepção distinta de sua identidade, afastando-se do conceito tradicional de sul-americanidade. Isso acontece por uma combinação complexa de fatores: uma geografia inacessível e única, colonização europeia atípica e uma cultura híbrida moldada por diversas influências.
O isolamento imposto pelo Escudo das Guianas e a natureza do território
Um dos elementos centrais para o isolamento de Suriname e Guianas é o Escudo das Guianas, uma formação geológica com mais de 2 bilhões de anos. Essa cadeia antiga cria um platô natural que se destaca da paisagem sul-americana, caracterizado por florestas densas, savanas extensas e os famosos tepuis — montanhas com topos planos e paredes quase verticais que limitam o acesso ao interior.
O território é majoritariamente coberto por uma floresta tropical densa e fechada, que atua como uma barreira quase impenetrável, dificultando o avanço por terra, por rios e até pela navegação costeira. A rede hidrográfica, marcada por rios imprevisíveis e rasos, como o rio Essequibo, limita ainda mais a conectividade interna.
Por conta disso, as principais cidades da região — Georgetown (Guiana), Paramaribo (Suriname) e Caiena (Guiana Francesa) — estão todas localizadas na faixa litorânea, em áreas drenadas e adaptadas para o estabelecimento urbano, voltadas para o Oceano Atlântico e simbolicamente de costas para o interior do continente sul-americano.
Colonização europeia não ibérica e o legado cultural
Diferentemente do restante da América do Sul, tradicionalmente colonizada por Espanha e Portugal, o norte continental ficou pouco atraente para esses impérios durante o período colonial. O terreno difícil afastou a colonização espanhola, abrindo espaço para britânicos, franceses e holandeses estabelecerem suas zonas de influência.
Essa conquista atlântica resultou na formação de colônias muito ligadas às metrópoles europeias mais ao norte do continente do que ao resto da América do Sul. A Guiana Britânica, o Suriname holandês e a Guiana Francesa mantiveram conexões econômicas, linguísticas e institucionais com Londres, Haia e Paris, respectivamente.
Além disso, a história da região é marcada pela escravidão africana e posterior imposição do trabalho contratado vindo do sul da Ásia, criando um mosaico cultural rico que contrasta claramente com os padrões hispano-lusófonos do continente. Essa diversidade cultural se manifesta nas línguas oficiais — inglês, holandês e francês —, na religião, nos costumes e nas instituições locais.
Identidade diversa e mais próxima do Caribe, Europa e Ásia
A configuração cultural e histórica da região fez com que Suriname e Guianas se reconheçam culturalmente mais alinhadas ao Caribe e à Europa do que ao restante da América do Sul. O idioma oficial, as referências jurídicas e políticas apontam para o Atlântico Norte, criando uma sensação de identidade que transcende as fronteiras geográficas do continente.
Guiana, com inglês oficial, Suriname, com o holandês, e Guiana Francesa, que é um departamento ultramarino francês usando o euro e integrando-se institucionalmente à União Europeia, contrastam com os países vizinhos onde predominam espanhol e português. A ligação econômica e cultural com a Ásia, especialmente pela herança dos trabalhadores contratados do sul asiático, reforça ainda mais essa singularidade.
Reflexões finais sobre um continente dentro do continente
Suriname e Guianas funcionam, por sua história, geografia e cultura, quase como outra realidade dentro da América do Sul. O isolamento imposto pela floresta e pelos relevos antigos, somado a colonizações nunca plenamente integradas ao padrão ibérico e a um caldeirão cultural multifacetado, gerou uma identidade única, que se distancia do imaginário latino-americano convencional.
Esse fenômeno levanta questionamentos sobre a integração regional e a valorização das identidades plurais dentro do continente. Mais que divisão, trata-se de um convite para reconhecer as múltiplas faces do sul da América e a riqueza que vem do encontro entre geografias, histórias e culturas diversas.
[Da redação do Movimento PB]
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