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Spotify: Quando o Play Alimenta a Máquina de Guerra

Spotify: Quando o Play Alimenta a Máquina de Guerra

Por trás da interface amigável do Spotify, que embala o dia a dia de milhões com playlists personalizadas, esconde-se uma verdade incômoda: cada clique no botão play pode estar financiando tecnologias de guerra. Enquanto artistas recebem centavos por stream, a plataforma acumula bilhões e reinveste em drones e inteligência artificial militar, revelando as contradições do capitalismo digital.

A Contradição do Streaming

Fundado em 2006 na Suécia, o Spotify prometia democratizar a música, oferecendo acesso universal e remuneração justa aos artistas. No entanto, quase duas décadas depois, a realidade é outra. A plataforma paga entre US$ 0,003 e US$ 0,005 por stream, uma fração ínfima que mal sustenta músicos independentes, enquanto seu valor de mercado dispara. Em junho de 2025, Daniel Ek, CEO da empresa, liderou, por meio de sua holding Prima Materia, um investimento de €600 milhões na Helsing, uma startup alemã de tecnologia militar avaliada em €12 bilhões. A empresa desenvolve drones letais e sistemas de IA usados em conflitos, como o da Ucrânia, transformando o consumo cultural em combustível para a indústria bélica.

Essa conexão expõe a lógica do capitalismo de plataforma: a exploração da cultura financia a destruição. Cada música tocada no Spotify se torna, indiretamente, um microfinanciamento de tecnologias de guerra, evidenciando uma violência estrutural que vai além da precarização dos artistas.

Colonialismo Digital no Brasil

No Brasil, a situação é agravada pelo chamado colonialismo digital. Operadoras como Vivo, Claro e TIM oferecem Spotify “grátis” em seus planos, isentando o uso da plataforma da franquia de dados. Isso cria um monopólio prático, dificultando a concorrência de serviços alternativos, como Tidal ou Bandcamp, que remuneram melhor os artistas. Para o usuário brasileiro, boicotar o Spotify por razões éticas significa enfrentar custos extras de dados móveis, transformando a conveniência em uma prisão digital. Essa dinâmica reflete uma dependência estrutural, onde a infraestrutura tecnológica limita a liberdade de escolha.

O Papel do Design na Exploração

O sucesso do Spotify deve muito ao seu design centrado no usuário, com interfaces intuitivas e algoritmos que criam playlists viciantes. No entanto, esse Human-Centered Design ignora as consequências sistêmicas, como a exploração de artistas e o financiamento de tecnologias bélicas. Surge, então, a proposta do Society-Centered Design, que questiona: “Que mundo estamos construindo com esse design?” Designers e desenvolvedores têm o dever ético de recusar projetos que perpetuem danos sociais, criando, em vez disso, alternativas que priorizem o bem coletivo.

Um exemplo prático: imagine que o Spotify é como um restaurante que serve pratos deliciosos, mas paga mal aos cozinheiros e usa os lucros para financiar armas. A experiência do cliente é impecável, mas o custo humano e social é devastador. O desafio é criar “restaurantes” digitais cooperativos, onde todos — artistas, ouvintes e comunidades — sejam beneficiados.

Alternativas para a Resistência

Romper com o monopólio do Spotify exige ações coletivas e criativas:

  • Greves de conteúdo: Artistas podem retirar suas músicas em massa, como já ocorre em pequenos movimentos de boicote.
  • Plataformas cooperativas: Modelos como Resonate e Ampled, geridos por artistas e ouvintes, oferecem caminhos mais justos.
  • Soberania cultural: Cidades como João Pessoa poderiam investir em plataformas públicas de streaming, inspiradas em iniciativas de soberania digital em Barcelona.
  • Educação crítica: É essencial ensinar como algoritmos exploram dados e como o consumo cultural financia outras indústrias.

Essas ações demandam organização e conscientização, mas são passos concretos para desafiar a lógica predatória do streaming.

Conclusão: Libertar a Música, Reimaginar o Futuro

O Spotify transforma a música, um bem cultural, em ferramenta de acumulação capitalista, financiando indiretamente a indústria da guerra. Cada play é um gesto que, sem intenção, endossa esse sistema. No entanto, a música sempre foi resistência — do forró nordestino às batidas do rap paraibano. Libertá-la exige rejeitar a comodidade do play verde e construir alternativas que devolvam à arte seu potencial emancipador. A escolha é nossa: continuar como cúmplices passivos ou transformar o streaming em um ato de recusa à barbárie.


Adaptado de Rafael Cavalcante Lima, no Blog da Boitempo [GRK-XAI-01102025-1308-V1]