Mina Serra Verde, em Goiás, simboliza a dependência ocidental da Ásia no setor estratégico de minerais críticos. Mesmo com investimento americano, produção já está comprometida com Pequim até 2027.
No coração do Brasil, uma mina em Goiás tornou-se o epicentro de uma batalha geopolítica silenciosa. A Serra Verde, única produtora ativa de terras raras pesadas fora da China, extrai minerais essenciais para carros elétricos, turbinas eólicas e tecnologias militares. Mas há um detalhe que frustra os planos dos EUA: toda a sua produção já está vendida para a China, dona global do processamento desses recursos.
O Paradoxo da Mina Estratégica
A Serra Verde, localizada em Minaçu (GO), é a única mina fora da Ásia que explora argila iônica — depósito mais fácil de processar do que rochas, sem necessidade de britagem. Em outubro de 2024, recebeu US$ 150 milhões de investidores americanos e britânicos, como a Denham Capital, para se tornar um pilar da estratégia EUA de reduzir a dependência chinesa.
Mas o CEO Thras Moraitis revelou ao The New York Times: “Nossos contratos até 2027 já estão fechados com a China. Eles são os únicos com tecnologia para separar e refinar os elementos pesados”.
Os números explicam o domínio chinês:
- 95% do processamento global de terras raras é feito na China;
- 100% das terras raras pesadas (como disprósio e térbio) passam por Pequim;
- US$ 1,2 bilhão: Valor do contrato da Serra Verde com empresas chinesas.
Por Que o Ocidente Não Consegue Processar Seus Próprios Minerais?
A resposta está em décadas de desindustrialização estratégica:
- Década de 1990: EUA e Europa terceirizaram a produção para a China, atraídos por custos baixos e regulamentos ambientais flexíveis;
- 2010: China suspendeu exportações para o Japão durante disputa territorial, expondo a vulnerabilidade ocidental;
- 2020s: Sanções comerciais e pandemia aceleraram a corrida por autonomia, mas a infraestrutura leva anos para ser construída.
“A China planejou isso por 30 anos. Nós acordamos tarde”, admite um executivo do setor que preferiu não se identificar.
Os EUA Estão Reagindo (Mas Devagar)
Projetos para quebrar o monopólio chinês incluem:
- MP Materials (Califórnia): Mina financiada pelo Pentágono para processar terras raras leves, mas 80% da produção ainda vai para a China;
- Usina na Estônia: Parceria europeia para refino, prevista para 2028;
- França: Investe em reciclagem de ímãs de turbinas eólicas.
Ainda assim, até 2030, a China controlará 85% do mercado, segundo a consultoria Adamas Intelligence.
O Caso Serra Verde: Um Microcosmo da Guerra Tecnológica
A mina brasileira ilustra os desafios:
- Potencial: Reservas capazes de dobrar a oferta ocidental de terras raras pesadas até 2027;
- Limites: Produção inicial será de apenas 500 toneladas/ano — migalhas perto da demanda global de 50 mil toneladas;
- Dependência: Sem a China, os minerais brasileiros seriam inúteis.
“Não adianta extrair se não podemos transformar o minério em ímãs ou chips”, explica Luiz Carlos Nogueira, geólogo da UnB.
O Jogo de Xadrez Geopolítico
A China não só domina o processamento como controla contratos:
- Acordos de longo prazo: Empresas asiáticas financiam minas em troca de exclusividade na compra;
- Diplomacia dos minerais: Pequim oferece empréstimos a países africanos e latinos em troca de acesso a recursos;
- Padrões técnicos: Equipamentos de refino chineses são incompatíveis com os ocidentais, travando a concorrência.
Para o Brasil, a Serra Verde é chance de lucrar com a guerra EUA-China, mas sob risco de se tornar mero fornecedor de matéria-prima.
E Agora?
A corrida por terras raras redefine alianças:
- EUA: Querem trazer processamento para solo americano, mas projetos demoram;
- Europa: Investe € 2 bilhões em mineração sustentável, porém sem escala;
- Brasil: Pode atrair mais investimentos, mas precisa evitar a “maldição dos recursos”, dependendo apenas da exportação bruta.
Enquanto isso, cada tonelada de terra rara que sai de Goiás rumo à China fortalece um monopólio que dita o futuro da tecnologia.
Texto adaptado de The New York Times, Financial Times e relatórios da Adamas Intelligence.