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“China jogava xadrez enquanto nós jogávamos damas”: EUA receberam US$ 200 bilhões em empréstimos secretos de bancos estatais chineses

“China jogava xadrez enquanto nós jogávamos damas”: EUA receberam US$ 200 bilhões em empréstimos secretos de bancos estatais chineses

Relatório da AidData aponta Washington como o maior destinatário de capital chinês oculto, financiando desde semicondutores a seguradoras ligadas à CIA.

Durante anos, Washington emitiu alertas globais para que nações não confiassem nos empréstimos de bancos estatais chineses, apontados como combustível para a ascensão da superpotência asiática. No entanto, um novo relatório revela uma reviravolta irônica: os Estados Unidos são, de longe, o maior destinatário desse capital. As implicações tecnológicas e de segurança dessa relação financeira profunda ainda estão sendo compreendidas pelas autoridades norte-americanas.

Credores estatais da China injetaram US$ 200 bilhões em empresas dos EUA ao longo de um quarto de século. Grande parte dessas operações permaneceu em segredo, pois o dinheiro foi primeiramente roteado através de empresas de fachada nas Ilhas Cayman, Bermudas e Delaware, obscurecendo a origem dos fundos, segundo dados da AidData, laboratório de pesquisa do College of William & Mary, na Virgínia.

William Henagan, ex-consultor de investimentos da Casa Branca, resumiu a disparidade estratégica revelada pelo estudo: “A China estava jogando xadrez enquanto o resto de nós jogava damas”. Ele alerta que esses empréstimos ocultos podem ter dado a Pequim um controle decisivo sobre tecnologias críticas para a economia global.

Uma teia global de influência estratégica

O relatório descobriu uma rede de empréstimos muito mais sofisticada e ampla do que se imaginava anteriormente. A teia de obrigações financeiras estende-se muito além dos países em desenvolvimento, alcançando nações ricas e aliadas dos EUA, como Reino Unido, Alemanha, Austrália e Holanda.

Ao todo, a AidData estima que a China emprestou mais de US$ 2 trilhões entre 2000 e 2023 ao redor do mundo — o dobro das estimativas anteriores. Nos países ricos, o foco do financiamento foi a aquisição de ativos em minerais críticos e alta tecnologia, como terras raras e semicondutores, essenciais para caças, submarinos e redes de telecomunicações.

Brad Parks, diretor executivo da AidData, destacou a contradição política: “Os EUA, tanto sob [o ex-presidente Joe] Biden quanto sob Trump, têm batido na tecla há mais de uma década de que Pequim é um credor predatório. A ironia é muito grande”.

Setores sensíveis e riscos de segurança

O aspecto mais alarmante do levantamento é o direcionamento do crédito. Grande parte do financiamento serviu para ajudar empresas chinesas a comprar participações em negócios norte-americanos ligados a tecnologia crítica e segurança nacional, incluindo fabricantes de robótica, semicondutores e empresas de biotecnologia.

Um caso emblemático ocorreu em 2015, quando bancos estatais chineses emprestaram US$ 1,2 bilhão para uma empresa privada chinesa adquirir 80% da Ironshore, uma seguradora dos EUA. A carteira de clientes da Ironshore incluía funcionários da CIA e do FBI, que poderiam precisar de assistência legal em serviço. Reguladores dos EUA desconheciam o envolvimento do governo chinês na época, pois o financiamento foi canalizado via Ilhas Cayman.

Após a publicação do plano “Made in China 2025”, que visava a autossuficiência tecnológica chinesa, o perfil dos empréstimos mudou drasticamente. A porcentagem de projetos visando setores sensíveis — como robótica, defesa e computação quântica — saltou de 46% para 88% do portfólio chinês de empréstimos para aquisições transfronteiriças.

Traduzido e adaptado de Fortune, pela redação do Movimento PB [GEM-MPB-20112025-L4M7N8-V018]