Estamos à beira de uma Terceira Guerra Mundial? Avaliação de artigo do The Guardian analisa colapso da ordem global


Um recente artigo do The Guardian aponta sinais preocupantes de um possível colapso da ordem mundial estabelecida após 1945. O texto, assinado por Patrick Wintour, destaca que os conflitos interligados em diferentes partes do mundo, o enfraquecimento das instituições internacionais e a retração dos EUA no cenário geopolítico sugerem que uma Terceira Guerra Mundial pode já estar em curso — mesmo que de forma não declarada. Este artigo analisa os principais pontos levantados pelo jornal britânico.


O jornal britânico The Guardian publicou nesta semana um artigo contundente assinado pelo editor de diplomacia Patrick Wintour, que discute a crescente desordem geopolítica global e levanta a hipótese de que uma Terceira Guerra Mundial já pode estar em andamento — ainda que de forma não convencional ou formalizada.

A análise parte de uma constatação alarmante: os pilares da ordem mundial baseada em regras — construídos após o fim da Segunda Guerra Mundial — estão sendo sistematicamente corroídos. A chamada Pax Americana, termo usado para designar o período de estabilidade relativa sob a liderança dos Estados Unidos, estaria em colapso. A interconexão dos conflitos, o aumento da violência estatal e a inoperância das instituições internacionais seriam os principais sintomas dessa crise global.

Fragmentação e violência transnacional

O artigo menciona diversos pontos de tensão que hoje se espalham pelo globo: da Faixa de Gaza ao Sudão, de Kashmir à Ucrânia, passando por os recentes bombardeios israelenses no Iêmen, Líbano e Síria. A abrangência dos conflitos e a ausência de mediação eficaz indicam um novo padrão de guerra: descentralizado, prolongado e fora dos moldes clássicos.

Fiona Hill, ex-assessora de segurança do governo britânico e especialista em Rússia, citada no artigo, defende que “a Terceira Guerra Mundial já começou, se ao menos fôssemos capazes de reconhecê-la”. Ela aponta que estamos diante de conflitos que não apenas se acumulam, mas que alteram estruturalmente o sistema internacional.

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O vácuo deixado pelos Estados Unidos

O texto também critica a postura dos Estados Unidos, especialmente sob a gestão de Donald Trump, que teria acelerado o desmonte de alianças internacionais, corroído a confiança de parceiros estratégicos e abandonado sua posição de liderança no sistema multilateral.

O ex-secretário de Estado Antony Blinken declarou que os EUA levaram 80 anos para construir uma rede de confiança e alianças que pode ser destruída em apenas 100 dias. “O problema agora é que as pessoas não estão mais apostando na América”, disse.

Já David Miliband, ex-chanceler britânico, chamou o atual momento de “fluxo geopolítico genuíno”, comparável à queda do Muro de Berlim em 1989, mas sem a clareza do que virá a seguir.

Gaza e o fracasso da diplomacia

A guerra em Gaza é apresentada como exemplo emblemático do fracasso das normas internacionais. Israel mantém o bloqueio à entrada de ajuda humanitária, desobedecendo ordens vinculativas da Corte Internacional de Justiça. Ao mesmo tempo, membros de seu governo falam abertamente em “destruição total” da Faixa e em aplicar soberania sobre a Cisjordânia, desafiando acordos históricos.

A ausência de uma resposta unificada da União Europeia e a timidez de ações práticas revelam a paralisia das instituições que deveriam zelar pela paz e pelos direitos humanos.

Kashmir e o risco nuclear

Outro ponto alarmante é o agravamento das tensões entre Índia e Paquistão, duas potências nucleares. Recentes ataques com mísseis e declarações beligerantes elevam o risco de uma escalada difícil de conter — ainda mais diante da ausência de embaixadores dos EUA nos dois países e do desinteresse explícito de Washington em intervir.

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Historicamente, os Estados Unidos atuaram como moderadores em momentos críticos entre os dois rivais, como no conflito de Kargil, em 1999, ou na escalada de 2019. Hoje, essa atuação diplomática parece inexistente.

Conflitos interligados e ausência de freios

Wintour argumenta que, embora não estejamos diante de uma guerra mundial nos moldes da primeira ou segunda, há elementos estruturais que sugerem um conflito global em evolução. Os diferentes teatros de guerra estariam conectados por interesses estratégicos, redes de alianças frágeis e, principalmente, por uma ausência generalizada de liderança e de mecanismos funcionais de resolução de disputas.

O caso do Sudão e o fracasso da denúncia contra os Emirados Árabes Unidos na Corte Internacional de Justiça revelam que mesmo as convenções contra o genocídio podem ser esvaziadas, conforme os interesses dos grandes atores.

Considerações finais

O artigo do The Guardian não crava a existência formal de uma Terceira Guerra Mundial, mas alerta que estamos vivendo uma era de “guerras sistêmicas”, com múltiplos vetores, atores estatais e não estatais, e um sistema internacional em ruínas.

A principal mensagem é clara: o mundo está em conflito e, sem uma reorganização diplomática urgente, os combates que hoje parecem isolados poderão se tornar ainda mais integrados e destrutivos.


Fonte:
Wintour, Patrick. “Are we heading for another world war – or has it already started?” The Guardian, 6 maio 2025.
Disponível em: theguardian.com (acesso em maio de 2025).

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