Lei Magnitsky vira arma política: EUA revogam visto de Moraes e discutem sanções inéditas
Medida anunciada por aliado de Trump agrava tensão diplomática com o Brasil e expõe uso seletivo da lei americana
A revogação do visto americano do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), marcou um novo capítulo na escalada de tensão entre os Estados Unidos e o Brasil, impulsionada por figuras próximas ao ex-presidente Donald Trump. A decisão, anunciada nesta sexta-feira (18) pelo secretário de Estado Marco Rubio, inclui também “aliados do tribunal e seus familiares próximos”. Embora ainda não tenham sido impostas sanções econômicas, o caso já levanta dúvidas sobre os limites da influência política internacional sobre instituições democráticas estrangeiras.
Rubio justificou a medida citando o processo que corre no STF contra Jair Bolsonaro, que se tornou réu por tentativa de golpe de Estado após a derrota nas eleições de 2022. A pressão por sanções mais severas, no entanto, é crescente: há dois meses, o secretário afirmou ao Congresso americano que o governo analisava punir Moraes com base na chamada Lei Magnitsky, mecanismo jurídico dos EUA voltado a punir estrangeiros por violações de direitos humanos ou corrupção em larga escala.
O que é a Lei Magnitsky?
Aprovada em 2012, a Lei Magnitsky Global surgiu a partir do caso do advogado russo Sergei Magnitsky, morto sob custódia após denunciar corrupção de autoridades do governo Putin. Desde então, a legislação tem sido usada para bloquear bens e restringir a entrada de cidadãos estrangeiros nos EUA, com base em evidências de abusos. A aplicação da lei é administrada pelo Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros (OFAC), ligado ao Departamento do Tesouro.
No caso brasileiro, a justificativa não seria corrupção, mas a suposta “censura” de Moraes a contas de aliados de Trump e Bolsonaro nas redes sociais — argumento que encontra eco em setores trumpistas do Congresso norte-americano, mas que não possui respaldo jurídico no sistema internacional.
Bastidores de uma ofensiva internacional
Segundo o jornal The Washington Post, o deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) tem atuado diretamente junto a membros do governo Trump para tentar formalizar as sanções. Fontes próximas ao Departamento do Tesouro confirmaram ter visto circular uma minuta com o plano de punir Moraes com base na Lei Magnitsky, mas indicaram resistência interna à proposta.
Integrantes do próprio OFAC teriam se recusado a levar a ideia adiante, alegando que sancionar um ministro de uma Suprema Corte estrangeira por suas decisões jurídicas comprometeria a credibilidade dos EUA como defensores da democracia. Um funcionário que falou ao jornal sob anonimato destacou que, mesmo entre aliados republicanos, a proposta divide opiniões.
Projeto de lei mira Moraes sem citá-lo
Paralelamente à tentativa de aplicar sanções via Tesouro, um projeto de lei vem ganhando tração na Câmara dos Representantes dos EUA. Intitulado No Censors on Our Soil (“Sem Censores em Nosso Território”), o texto prevê a proibição de entrada ou deportação de qualquer pessoa considerada um “agente estrangeiro” que tente censurar cidadãos americanos em território nacional.
A proposta foi apresentada pelos deputados republicanos Maria Elvira Salazar e Darrell Issa. Embora o texto não mencione diretamente Moraes, Issa deixou claro, ao anunciar o projeto em setembro de 2024, que se tratava de uma resposta direta às decisões do STF no Brasil envolvendo redes sociais e aliados de Bolsonaro.
O projeto foi aprovado pelo Comitê Judiciário da Câmara americana em fevereiro de 2025, órgão equivalente à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Congresso brasileiro. Ainda falta ser votado em plenário, e não há previsão oficial para isso.
Reação brasileira: soberania em xeque
Dias após a aprovação do projeto no comitê, Alexandre de Moraes reagiu publicamente à ofensiva. Em tom firme, o ministro destacou que o Brasil não é mais uma colônia e criticou a tentativa de interferência externa em decisões soberanas do Judiciário nacional.
“Pela soberania do Brasil, pela independência do Poder Judiciário e pela cidadania de todos os brasileiros e brasileiras. Pois deixamos de ser colônia em 7 de setembro de 1822”, afirmou Moraes, em discurso que também citou a ministra Cármen Lúcia e o escritor Guimarães Rosa: “O que a vida quer da gente é coragem”.
A declaração foi interpretada por analistas como um recado direto não apenas ao governo americano, mas também a seus aliados internos que têm buscado internacionalizar disputas judiciais travadas no Brasil.
Implicações e próximos passos
O uso da Lei Magnitsky em casos políticos estrangeiros é considerado um movimento extremo e pouco comum, ainda mais quando envolve ministros de Supremas Cortes. Mesmo que o visto de Moraes tenha sido revogado — uma medida administrativa e reversível —, a adoção de sanções plenas seria sem precedentes em relações diplomáticas entre democracias ocidentais.
Especialistas apontam que a tentativa de Trumpistas e bolsonaristas de recorrer à legislação americana pode abrir um precedente perigoso. O argumento de defesa da liberdade de expressão é legítimo, mas sua instrumentalização para atacar decisões judiciais em outro país levanta preocupações sobre soberania, reciprocidade diplomática e integridade institucional.
O episódio revela, sobretudo, como disputas internas brasileiras estão sendo exportadas para o cenário internacional, criando embaraços diplomáticos e exigindo uma resposta mais robusta da diplomacia brasileira diante de ações que tocam o coração da independência dos poderes.
Da redação com informações de G1, The Washington Post e Câmara dos Representantes dos EUA
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