‘Tragédia anunciada’: Morte de jovem na Bica expõe negligência estatal e crise na saúde mental
Diretor do Presídio do Róger e Conselho Tutelar alertaram sobre riscos dias antes da invasão à jaula; sistema tratou transtorno psiquiátrico como “caso de polícia”.
A morte de Gerson de Melo Machado, de 19 anos, conhecido como “Vaqueirinho”, após invadir o recinto de uma leoa no Parque Zoobotânico Arruda Câmara (Bica), em João Pessoa, neste domingo (1º), levanta um debate urgente sobre a falência das políticas de saúde mental e segurança pública na Paraíba. O desfecho fatal, classificado por autoridades prisionais como uma “tragédia anunciada”, expõe a lacuna no atendimento a jovens em vulnerabilidade extrema e com transtornos psiquiátricos severos.
Dias antes do incidente, Edmilson Alves, o “Selva”, diretor da Penitenciária Desembargador Flósculo da Nóbrega (Presídio do Róger), havia alertado publicamente sobre a situação crítica de Gerson. O jovem, que acumulava 16 passagens pela polícia (dez como menor e seis como adulto), vivia um ciclo de encarceramento e abandono, sem receber o tratamento clínico adequado.
“O lugar dele não era a prisão”
Segundo o relato de Ivison Lira, chefe de disciplina da unidade prisional, embora tivesse 19 anos, Gerson possuía o discernimento de uma criança de 5 anos. “A gente sabia que era uma tragédia anunciada. Vaqueirinho sem o devido tratamento, sem acompanhamento, numa rua. Tá aí o resultado”, lamentou Lira, reforçando que o raciocínio do jovem era infantilizado e condicionado a trocas simples, como bombons.
O diretor do presídio revelou que, na semana anterior à morte, Gerson havia sido encaminhado a um Centro de Atenção Psicossocial (Caps), mas fugiu do local. Para as autoridades, ele era um “preso institucionalizado”: alguém que não conhecia outra vida senão o cárcere e que, paradoxalmente, buscava ser detido para fugir das ruas. “O local dele também não era o presídio (…) O Caps não segura, ele fugiu”, desabafou Selva.
Falha no diagnóstico e o sonho perigoso
A conselheira tutelar Verônica Oliveira, que acompanhou Gerson dos 10 aos 18 anos, denunciou a negligência do Estado em reconhecer a gravidade do quadro clínico do jovem. Filho e neto de mulheres com esquizofrenia, Gerson nutria um fascínio obsessivo por leões e o sonho de ir para a África.
“O Estado dizia que ele só tinha um problema comportamental. Será que alguém que entra na jaula de leão, que joga paralelepípedo no carro da polícia, tem problema comportamental?”, questionou Verônica em vídeo divulgado nas redes sociais. Ela relembrou episódios anteriores de risco, como quando o jovem cortou a cerca de um aeroporto e tentou entrar no trem de pouso de um avião.
Para a conselheira, a sociedade preferiu marginalizar o jovem a tratar sua saúde. “A sociedade, sem conhecer sua história, preferiu te jogar na jaula dos leões”, escreveu em carta aberta.
Protocolos e bem-estar animal
Após o ataque, a administração do Parque da Bica informou que a leoa, chamada Leona, não será sacrificada. A direção do zoológico esclareceu que o animal agiu por instinto e defesa de território, encontrando-se agora sob monitoramento devido ao alto nível de estresse causado pela invasão. O parque permanecerá fechado para investigação, e o Conselho Regional de Medicina Veterinária da Paraíba (CRMV-PB) instituirá uma comissão para avaliar as condições de segurança e estruturas do local.
*Com informações de fontes locais e redes sociais. Informações validadas em O Globo.
Da redação do Movimento PB [MOV-MPB-01122025-C12F8A-V018]
