Análise Profunda: Livro de André Pagliarini Desvenda Lula e a Trajetória Política do Brasil

O novo livro de André Pagliarini, Lula: A People’s President and the Fight for Brazil’s Future (Polity, 2025, 240 páginas), surge em um momento crucial para o debate sobre o papel do Brasil no cenário global. Lançado em meados de 2025, a obra coincide com um período de tensões comerciais entre os Estados Unidos e o Brasil, marcado pela imposição de tarifas de 50% sobre produtos brasileiros – um nível historicamente alto.
A administração Trump justificou a medida citando um déficit comercial e criticou abertamente a condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro, aliado ideológico de Washington, por tentativa de golpe de estado. Condenado pelo Supremo Tribunal Federal a mais de 27 anos de prisão, Bolsonaro, que perdeu a reeleição em 2022 para Lula da Silva, é agora visto por muitos como um exemplo global de como uma democracia pode responder àqueles que atacam suas instituições e tentam se apegar ao poder pela força.
Lula como Voz do Sul Global
Outro fator que elevou o Brasil a um papel central na dinâmica global é a resposta do Presidente Lula aos ataques da administração Trump. Em linha com a tradição brasileira de defesa da soberania de suas instituições – moldada pela memória do apoio dos EUA ao regime militar (1964-1985) – Lula se posiciona como uma das principais vozes do Sul Global, defendendo uma política externa independente. Essa postura o distanciou dos Estados Unidos em quase todas as questões, desde suas críticas ao governo israelense até sua proposta de mediação externa na guerra Rússia-Ucrânia, sem tomar partido explícito.
Um Olhar Abrangente sobre a Trajetória de Lula
A obra de Pagliarini, Professor Assistente de História na Louisiana State University, não é a primeira em inglês sobre o líder brasileiro, que cumpre seu terceiro mandato. Livros anteriores, como Lula and His Politics of Cunning (2020), de John French, e a tradução de Lula: A Biography (2024), de Fernando Morais, exploraram as origens de Lula como metalúrgico e líder sindical, sua ascensão e seus dois primeiros mandatos.
No entanto, essas obras anteriores possuíam uma limitação temporal: suas narrativas cobriam até a prisão de Lula por acusações de corrupção e sua libertação em 2019, deixando de fora os anos Bolsonaro, a polarização política, a pandemia de Covid-19 e a vitória de Lula em 2022.
A Contribuição Essencial de Pagliarini
Nesse contexto, o livro de Pagliarini surge como uma contribuição fundamental para compreender o Brasil contemporâneo e a figura de Lula. Como historiador brasileiro-americano, Pagliarini traz uma perspectiva única, sendo um escritor frequente sobre o Brasil para públicos estrangeiros. Essa rara qualidade torna seu livro acessível não apenas a acadêmicos, mas também a jornalistas, formuladores de políticas e leitores em geral interessados no Brasil.
Pagliarini enfatiza que seu objetivo é oferecer aos leitores “uma compreensão concisa e acessível da história política moderna brasileira através do personagem criticamente importante de Lula e entender Lula mais plenamente, situando-o na história mais ampla do século XX de seu país” (p. 9).
Estrutura e Abordagem Histórica
Diferente da estrutura tradicional de obras históricas, o autor organiza seu livro em sete capítulos que abrangem um longo período da história brasileira, de 1917 a 2025. Embora a abordagem possa parecer sucinta para tantas décadas, o revisor considera a escolha de Pagliarini apropriada para o propósito da obra: explicar a dinâmica política e social do Brasil para um público estrangeiro não especializado no assunto.
O capítulo inicial descreve a greve geral de 1917 em São Paulo, um marco no despertar político dos trabalhadores industriais brasileiros, impulsionado por ideias de imigrantes italianos e espanhóis. É desse movimento trabalhista politizado que Lula emergiria.
Os capítulos seguintes usam a trajetória de Lula como fio condutor para revisitar temas-chave da história brasileira moderna. O Capítulo 2 foca na fundação do Partido dos Trabalhadores (PT), enquanto o Capítulo 3 explora o papel de Lula na Assembleia Constituinte de 1988 e suas derrotas eleitorais. A habilidade de Pagliarini em escrever para um público estrangeiro é evidente em suas conexões interculturais, como a comparação de Lula com Franklin Delano Roosevelt (em caso de um quarto mandato) ou de Marisa Letícia, segunda esposa de Lula, com Betsy Ross, na criação da primeira bandeira do PT.
O quarto capítulo examina a eleição de 2002 e os dois primeiros mandatos de Lula, concluindo com a eleição de Dilma Rousseff em 2010. O capítulo seguinte aborda a presidência de Rousseff, culminando em seu impeachment em 2016, e a ascensão da direita radical, com Jair Bolsonaro. O capítulo final traz a narrativa para o presente, refletindo sobre a fase inicial do terceiro mandato de Lula e o futuro da democracia brasileira.
Limitações e Considerações Finais
Para quem busca entender o Brasil contemporâneo e como o país se tornou um líder emergente no Sul Global, o livro de André Pagliarini é uma leitura essencial. Ele oferece uma visão clara dos principais eventos que moldaram o cenário político da nação do início do século XX até o começo do terceiro mandato de Lula em 2023.
A ambição do autor de produzir não apenas uma biografia do presidente, mas uma história política moderna do Brasil, traz certas limitações. O livro não aprofunda a participação de Lula em episódios cruciais como o impeachment de Dilma Rousseff em 2016, e dedica poucos parágrafos à sua prisão por acusações de corrupção e lavagem de dinheiro entre 2018 e 2019 – pontos que certamente atrairiam a atenção de leitores brasileiros e internacionais.
A impressão de que a obra se dedica mais a reflexões amplas sobre o contexto político brasileiro do que à trajetória pessoal de Lula se reafirma ao longo da narrativa, levantando questões sobre a escolha do título, que parece funcionar mais como um chamariz editorial. Um título que refletisse com mais precisão o conteúdo da obra seria, talvez, mais adequado.
Da redação do Movimento PB.
