Saúde

Estudo aponta risco aumentado de insuficiência cardíaca associado ao uso prolongado de melatonina

Um grande estudo observacional apresentado na reunião anual da American Heart Association (AHA) sugere que o uso contínuo de melatonina sintética por mais de um ano pode estar associado a um aumento significativo no risco de insuficiência cardíaca e de desfechos graves, como hospitalização por insuficiência cardíaca e mortalidade. A pesquisa analisou dados eletrônicos de saúde de 130.828 adultos com diagnóstico de insônia e comparou usuários crônicos de melatonina com pacientes que não registraram uso do hormônio.

O que o estudo avaliou

Coordenado por Ekenedilichukwu Nnadi, o trabalho utilizou o banco de dados internacional TriNetX Global Research Network, que agrega prontuários eletrônicos de diversas instituições. Entre os 130.828 pacientes acompanhados ao longo de cinco anos, 65.414 compuseram o grupo dos usuários de melatonina — definidos por uso por pelo menos 12 meses — e foram comparados a um braço com perfil clínico semelhante, porém sem registros de uso do suplemento.

Resultados principais

Os achados mostram diferenças relevantes entre os grupos: a incidência de insuficiência cardíaca foi de 4,6% entre os usuários de melatonina, contra 2,7% no grupo não exposto — um incremento relativo próximo a 90% no risco. Quando a análise restringiu o conjunto a indivíduos com pelo menos duas prescrições registradas separadas por ao menos 90 dias, o risco permaneceu elevado (≈82%).

Além disso, pacientes do grupo da melatonina apresentaram maior probabilidade de hospitalização por insuficiência cardíaca (19% vs. 6,6%) e um aumento quase duas vezes maior no risco de óbito por qualquer causa (7,8% vs. 4,3%). Esses números chamam atenção para possíveis efeitos adversos associados ao uso crônico do hormônio sintético.

Por que a melatonina poderia afetar o coração?

A melatonina é um hormônio produzido pela glândula pineal que regula o ciclo sono-vigília. Como suplemento, é usada para reduzir a latência do sono e tratar distúrbios do ritmo circadiano. Mecanismos biológicos potenciais que ligariam melatonina a desfechos cardiovasculares incluem efeitos sobre pressões arteriais, ritmo cardíaco, metabolismo hormonal e interações com o sistema autonômico. No entanto, o estudo não estabelece causalidade — apenas uma associação que exige investigação mecanística adicional.

Limitações e cautela interpretativa

Os autores reconhecem limitações centrais: trata-se de um estudo observacional baseado em prontuários eletrônicos, com variação entre países quanto ao acesso e forma de prescrição da melatonina. Em alguns lugares, como o Reino Unido, a substância é controlada e vendida sob receita; em outros, como Estados Unidos e Brasil, é frequentemente comercializada como suplemento de venda livre — o que dificulta a precisão do registro de uso em bases de dados médicas.

Outra limitação é a ausência de informação detalhada sobre a severidade da insônia, comorbidades psiquiátricas (depressão, ansiedade) e fatores comportamentais (tabagismo, sedentarismo) que podem confundir a relação observada. Os pesquisadores ressaltam que pessoas com insônia mais grave podem ter perfil de risco cardiovascular diferente, o que complica a separação clara entre associação e causalidade.

Recomendações e posição de especialistas

Especialistas ouvidos pela AHA alertam para o uso indiscriminado e prolongado de melatonina sem acompanhamento médico. Marie-Pierre St-Onge, da Universidade Columbia, destacou que a melatonina não é indicada para o tratamento crônico da insônia sem avaliação clínica e que medidas comportamentais — higiene do sono, exposição adequada à luz, rotina e tratamento de condições subjacentes — são fundamentais.

Os autores do estudo concluem que, se confirmadas por investigações prospectivas e ensaios controlados, as descobertas poderiam levar a mudanças nas recomendações clínicas sobre a prescrição e o tempo de uso da melatonina.

Contexto regulatório e situação no Brasil

No Brasil, a Anvisa classifica a melatonina na categoria de produto de venda livre desde 2021, à semelhança dos Estados Unidos, o que facilita o acesso popular. Essa classificação implica variação de dosagem e composição entre marcas, com pouco controle central sobre pureza e posologia. Diante dos resultados apresentados, a discussão regulatória pode voltar ao centro das atenções, impulsionando potenciais revisões sobre indicação, rotulagem e campanhas de orientação ao público sobre uso prolongado.

O que os pacientes devem fazer

Até que exista confirmação por estudos controlados, a orientação prática é que pacientes consultem profissionais de saúde antes de iniciar tratamento crônico com melatonina, em especial aqueles com fatores de risco cardiovascular (hipertensão, diabetes, obesidade) ou histórico de doença cardíaca. A recomendação também apela ao uso restrito e temporário do suplemento — e à priorização de intervenções não farmacológicas para insônia crônica.

Próximos passos na pesquisa

Os autores pedem estudos prospectivos e ensaios clínicos randomizados para investigar causalidade e mecanismos biológicos. Repositórios de dados com monitoramento de dosagem, duração do uso e indicadores de função cardíaca ajudariam a esclarecer correlações. Além disso, pesquisas translacionais podem explorar se efeitos dependem de formulação (goma vs cápsula), dose e interações medicamentosas.

Enquanto isso, a comunidade médica deve pesar risco e benefício ao considerar melatonina para pacientes que precisam de tratamentos por longos períodos.

Da redação com informações de Correio Braziliense e apresentação na American Heart Association (AHA). [PTG-OAI-04112025-0000-4OT]