Genética do povo brasileiro revela 8 milhões de mutações inéditas no DNA

Genética do povo brasileiro revela 8 milhões de mutações inéditas no DNA

Um estudo genético inédito revelou 8 milhões de mutações desconhecidas até hoje no DNA do povo brasileiro. A pesquisa, publicada na revista científica Science, analisou o genoma completo de 2.723 pessoas de todas as regiões do país e mostrou que a genética do brasileiro é uma das mais diversas do planeta.

Essa descoberta, além de impressionante, pode transformar o jeito como o Brasil cuida da saúde da população. Com mais de 36 mil variantes com potencial de afetar a saúde, o estudo abre portas para novos exames, diagnósticos mais precisos e tratamentos adaptados à realidade brasileira.


Brasil revela diversidade genética única

A identificação dessas 8 milhões de mutações inéditas no DNA do povo brasileiro jogou luz sobre um problema antigo: a maioria dos bancos genéticos do mundo é baseada em populações da Europa e da América do Norte. Isso significa que, até agora, a diversidade presente em países como o Brasil era ignorada.

O Brasil é formado por uma combinação rara de ancestralidades — indígenas, africanas e europeias —, o que cria uma composição genética única. Esse mosaico genético ajudou os pesquisadores a encontrar mutações que não haviam sido descritas em nenhuma outra população mundial.

“Não é porque somos marcianos, é porque nunca fomos estudados antes”, disse a geneticista Lygia da Veiga Pereira, uma das líderes do projeto. Ela explica que os bancos de dados existentes refletem apenas uma parte limitada da humanidade — o que compromete a eficácia de muitos testes genéticos usados atualmente.

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36 mil mutações podem impactar a saúde dos brasileiros

Entre as quase nove milhões de variantes identificadas, 36.637 têm potencial para afetar a saúde humana. Isso significa que muitos brasileiros carregam mutações que, embora desconhecidas até agora, podem influenciar no surgimento de doenças como câncer, Alzheimer, problemas cardíacos e metabólicos.

Essas descobertas podem dar origem a tratamentos personalizados, criados com base no perfil genético do paciente, e também a exames mais eficientes, que levem em consideração as características genéticas da população brasileira.

Um exemplo prático citado pelos cientistas é o gene PCSK9. Certas mutações nesse gene, encontradas em outras populações, levaram ao desenvolvimento de medicamentos que controlam o colesterol com grande eficácia. Agora, o mesmo pode acontecer no Brasil com as mutações recém-descobertas.


Estudo também revela sinais de seleção natural

O trabalho revelou ainda indícios de seleção natural no DNA do povo brasileiro. Foram identificadas variantes genéticas ligadas à fertilidade, ao funcionamento do sistema imunológico e ao metabolismo.

Essas mutações, herdadas de nossos antepassados indígenas, africanos e europeus, mostram como os genes foram sendo moldados ao longo do tempo em resposta ao ambiente e às condições de vida. Um exemplo disso é a presença de genes que protegem algumas populações indígenas da doença de Chagas, comum na Amazônia.

No entanto, os cientistas alertam que aquilo que foi útil no passado pode se tornar um problema no presente. Genes que favoreciam a absorção lenta de gordura, por exemplo, eram vantajosos quando havia escassez de comida, mas hoje podem contribuir para doenças como obesidade e diabetes.

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Banco genético brasileiro será referência mundial

O estudo faz parte do projeto DNA do Brasil, iniciado em 2019 com apoio da iniciativa privada e, mais tarde, adotado pelo Ministério da Saúde por meio do programa Genomas Brasil. A ideia é criar o maior banco genético da América Latina.

Esse banco de dados será público e poderá ser utilizado por cientistas de todo o mundo para desenvolver novas pesquisas. Uma nova fase do projeto já está em andamento e vai analisar o DNA de mais 12 mil pessoas, incluindo grupos tradicionais como quilombolas, ribeirinhos e caiçaras.

Com essa base genética robusta, será possível criar testes genéticos mais precisos e representativos da população brasileira, corrigindo distorções de exames baseados em genomas europeus e norte-americanos.


Caminho para políticas públicas e medicina de precisão

As 8 milhões de mutações inéditas no DNA do povo brasileiro reveladas pelo estudo não são apenas um marco científico. Elas têm potencial para influenciar políticas públicas de saúde, direcionar investimentos em medicina de precisão e até mudar a forma como doenças são tratadas no país.

A longo prazo, os pesquisadores acreditam que essa nova visão sobre a genética do Brasil poderá levar a remédios desenvolvidos especificamente para o nosso perfil populacional e até estratégias de prevenção mais eficazes para doenças que afetam com mais frequência os brasileiros.

“Estamos só no começo, mas esse estudo prova que o Brasil tem muito a contribuir com o conhecimento genético global”, resume a pesquisadora Maria Cátira Bortolini, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.


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