Estilo de VidaSaúde

Heróis de Jaleco, Pacientes em Silêncio: A epidemia de transtornos mentais que adoece a medicina brasileira

Um novo e alarmante levantamento revela que quase metade dos médicos no Brasil sofre com ansiedade, depressão ou burnout, expondo um sistema que está falhando em cuidar de quem deveria cuidar de nós.

Eles são a linha de frente da nossa saúde, os profissionais a quem confiamos nossas vidas nos momentos de maior vulnerabilidade. Mas por trás dos jalecos brancos e da aparente resiliência, uma crise silenciosa e devastadora está se alastrando. Um novo e chocante levantamento realizado pela Afya, uma das maiores instituições de educação médica do país, revelou que 45% dos médicos brasileiros apresentam transtornos mentais como ansiedade, depressão ou a temida síndrome de burnout. O número, que representa um aumento de 13% em relação a 2024, nos joga de volta ao mesmo patamar alarmante do período pós-pandemia, um sinal claro de que a “normalidade” nunca chegou para eles.

Os dados da pesquisa “Qualidade de vida dos médicos” são um verdadeiro grito de socorro. O estudo vai além e revela um dado ainda mais preocupante: 3,6% dos médicos já precisaram de internação psiquiátrica, com afastamentos do trabalho que duraram, em média, mais de cinco semanas. É a imagem do cuidador que, exaurido, precisa ser cuidado com urgência, uma inversão de papéis que expõe a falência de um sistema que exige o impossível de seus profissionais.

A epidemia não escolhe suas vítimas ao acaso. Ela atinge com mais força os mais jovens e as mulheres. A faixa etária entre 25 e 35 anos é a mais afetada, com quase metade dos médicos relatando sintomas compatíveis com transtornos mentais. É a geração que chega ao mercado de trabalho já mergulhada em um ambiente de pressão extrema. O recorte de gênero também é cruel: 51,8% das médicas foram diagnosticadas com algum transtorno em 2025, um salto em relação aos 46,8% do ano anterior, mostrando que o peso da dupla, tripla jornada e as desigualdades do ambiente de trabalho cobram um preço altíssimo na saúde mental delas.

A ansiedade é a companheira mais constante, presente no diagnóstico de quatro em cada dez médicos, seguida de perto pela depressão e pelo burnout. As causas, segundo os pesquisadores, formam uma tempestade perfeita: sobrecarga de trabalho com jornadas desumanas, a pressão constante de decisões de vida ou morte, ambientes profissionais muitas vezes tóxicos e, talvez o mais perverso de todos, o estigma. O médico, treinado para ser infalível, sente vergonha e medo de admitir sua própria vulnerabilidade, um paradoxo que os impede de procurar a ajuda que eles mesmos prescrevem a seus pacientes.

A conclusão do estudo é um chamado à ação que não pode ser ignorado. A saúde mental não pode mais ser tratada como um tabu ou uma fraqueza individual; ela precisa ser encarada como parte essencial das condições de trabalho na medicina. É urgente a criação de políticas de prevenção, acolhimento e, principalmente, de um ambiente que não adoeça seus profissionais. Continuar a tratar médicos como heróis incansáveis e à prova de falhas não é apenas uma romantização perigosa; é uma sentença. Se não cuidarmos de quem cuida de nós, a pergunta que fica é: quem restará para apagar a luz quando todo o sistema entrar em colapso?

Redação do Movimento PB [NMG-OGO-20092025-R7S3T9-13P]