Losartana: pílula da pressão alta ou termômetro da crise?

O simples ato de engolir um comprimido de losartana, rotina para milhões de brasileiros, revela um cenário complexo e preocupante da saúde nacional. Este medicamento anti-hipertensivo não é apenas o genérico mais vendido do país – superando até analgésicos tradicionais – mas, para especialistas, um sintoma de uma crise de saúde pública que vai muito além do envelhecimento populacional.
Brasil: Um Gigante Hipertenso
Para o cirurgião cardiovascular Ricardo Katayose, da Beneficência Portuguesa de São Paulo, a proeminência da losartana é um espelho de um “país hipertenso, sedentário, diagnosticado tarde — e que recorre a comprimidos para controlar um problema que nasce fora da farmácia”. Ele ressalta que essa realidade expõe um Brasil que “se move pouco, dorme mal, come mal e chega tarde ao diagnóstico.”
Os números são alarmantes: três em cada dez adultos brasileiros convivem com a pressão alta, um índice que supera a média global de 24%. A nova Diretriz Brasileira de Hipertensão, publicada em 2025, ampliou o grupo de risco ao classificar a medição 12×8 como pré-hipertensão, evidenciando a dimensão do desafio.
Este cenário é uma combinação de fatores como o envelhecimento, o sedentarismo e metas de saúde mais rigorosas, mas, principalmente, a falha crônica do sistema em prevenir. “O país tem alta incidência de hipertensão, uma prevalência acima da curva, reflexo de falhas nos cuidados primários”, afirma Katayose, destacando que, enquanto o Brasil é eficiente em tratar, “não previne”, focando a intervenção e não a origem do problema.
Como a Losartana Age e Sua Importância
A losartana atua equilibrando o sistema renina–angiotensina–aldosterona, que regula a pressão sanguínea. Em pacientes hipertensos, esse sistema está hiperativado, mantendo os vasos em constante contração. O medicamento bloqueia o receptor da angiotensina II, hormônio responsável pela contração dos vasos. Dr. Katayose compara a ação a “tampar a caixa de correio para que o carteiro não conseguisse entregar a carta”, fazendo com que o vaso relaxe.
Sua liderança no mercado se deve à eficácia, segurança e, crucially, ao seu baixo custo e gratuidade no SUS. “Os pacientes aderem melhor ao tratamento com medicações que cabem no bolso”, observa o cirurgião, o que explica sua vasta utilização.
Desmistificando o “Vício”: O Tratamento é Contínuo
A losartana, lançada nos anos 1990, é uma das três classes de primeira linha para tratamento no Brasil. O cardiologista Márcio Sousa, do Instituto Dante Pazzanese, enfatiza que o tratamento é sempre individualizado. Embora eficaz, sua ação é otimizada com doses divididas, o que pode ser uma limitação como monoterapia. Versões mais recentes da mesma classe, como candesartana e olmesartana, oferecem perfis farmacológicos modernos com dose única diária, melhorando a adesão. “O que precisamos é reduzir a pressão. E qualquer medicamento dessas três classes faz isso”, pontua Sousa.
O especialista desmistifica a preocupação de que a losartana “vicia” ou “cria dependência”. Segundo ele, o medicamento “Pode usar por toda a vida que o efeito permanece”, reforçando que a necessidade contínua é da condição, não do remédio.
O Perigo Real: Confiar Apenas no Comprimido
O sucesso da losartana, no entanto, gerou um efeito colateral preocupante: o uso sem avaliação médica. “Muita gente começa a usar porque a mãe toma, o vizinho recomendou ou a pressão subiu um dia”, alerta Katayose. O alívio imediato dos números no aparelho pode mascarar a causa subjacente da doença. “A losartana pode mascarar problemas como apneia do sono, estenose de artéria renal e feocromocitoma”, adverte o cirurgião.
A diretriz de 2025 busca corrigir essa lógica, reforçando que o cuidado deve ser global, mirando a redução do risco cardiovascular, o que inclui obesidade, diabetes, colesterol, sono, estresse e atividade física.
A maior parte dos diagnósticos ainda ocorre tardiamente. “Muitos pacientes só chegam ao sistema quando o evento cardiovascular já aconteceu. É um gol que já era anunciado”, afirma Eduardo Lima, professor da FMUSP. Essa chegada tardia “transforma o remédio na única intervenção contínua”.
No uso adequado e com medicamentos de qualidade, o risco da losartana é baixo. A principal ameaça, portanto, reside na dependência exclusiva da medicação. “O problema não é a losartana, é confiar apenas nela”, conclui Katayose. O comprimido pode baixar os números, mas não trata o motor da doença, que está em fatores modificáveis.
Como reforça Eduardo Lima, a mudança de estilo de vida é uma “maratona” que exige continuidade. As medidas mais eficazes para o controle da pressão incluem:
- Reduzir o consumo de sal.
- Aumentar a ingestão de potássio.
- Praticar atividade física regularmente.
- Melhorar a qualidade do sono.
- Controlar o peso corporal.
- Evitar o consumo de álcool.
- Gerenciar o estresse.
- Medir a pressão arterial com regularidade.
Da redação do Movimento PB.
