Boom de Cursos Livres Questionáveis
O aumento da procura por serviços de saúde mental no Brasil impulsionou a oferta de cursos livres que prometem formar “terapeutas” em poucas horas. Um exemplo, identificado por investigação do jornal O Globo, cobra R$ 50 por um diploma após 12 aulas gratuitas, totalizando dez horas de conteúdo. O curso sugere que o aluno pode estar apto a atender pacientes ao final, mas carece de embasamento teórico sólido, citando incorretamente autores como Viktor Frankl e focando em marketing em vez de técnicas clínicas.
Riscos à Saúde Mental
Héder Bello, psicólogo clínico e pesquisador de danos em psicoterapia, alerta que esses cursos enganam quem busca atendimento qualificado. “Muitos oferecem aconselhamento religioso ou opiniões pessoais, sem evidências científicas, podendo agravar ansiedade, depressão ou culpa”, explica. Ele cita casos extremos, como programas disfarçados de “cura gay”, que violam princípios éticos e causam sofrimento. A falta de supervisão e formação adequada aumenta o risco de práticas danosas.
Crescimento da Psicologia Formal
Paralelo à proliferação de cursos livres, a graduação em Psicologia vive um boom. Dados do Ministério da Educação mostram que as matrículas na área cresceram 90% em dez anos, com mais de 120 mil novos alunos anuais desde 2022. Pedro Paulo Bicalho, presidente do Conselho Federal de Psicologia (CFP), vê a expansão como resposta à crise de saúde mental, com aumento de 2.500% nos atendimentos por ansiedade entre crianças no SUS e recorde de afastamentos por transtornos mentais em 2024.
Debate sobre Regulamentação
No Brasil, a psicoterapia não é regulamentada, permitindo que pessoas sem formação superior atuem como terapeutas, desde que não usem termos como “psicólogo” ou “terapia clínica”. Uma sugestão legislativa no Senado, relatada pela senadora Mara Gabrilli (PSD-SP), propõe restringir a prática a psicólogos e psiquiatras. A medida divide opiniões: enquanto o CFP defende a formação acadêmica mínima, profissionais de terapias alternativas, como psicanálise e arteterapia, temem limitações às suas práticas.
Psicanálise e Formação Livre
Artur Costa, da Associação Brasileira de Psicanálise Clínica, reconhece a existência de cursos livres precários, mas defende que a qualidade não depende de regulação estatal. “A psicanálise, desde Freud, valoriza a formação autônoma, com teoria, análise pessoal e supervisão”, afirma. Ele argumenta que regulamentar a psicoterapia pode ignorar a diversidade de abordagens, como logoterapia e coaching psicológico, desde que conduzidas com rigor ético.
Próximos Passos Legislativos
A senadora Gabrilli planeja ouvir profissionais, conselhos e a sociedade antes de decidir se a sugestão virará projeto de lei. Como psicóloga, ela destaca a importância de proteger pacientes e garantir formação sólida. O debate envolve equilibrar a segurança dos atendimentos com a liberdade de práticas terapêuticas diversas, em um contexto de crescente demanda por cuidados com a saúde mental.
Com informações de O Globo