Tudo mentira! “Lobo-terrível” não voltou da extinção: cientista admite farsa genética

Empresa americana virou alvo de críticas após revelar que animais seriam apenas lobos-cinzentos modificados
A Colossal Biosciences, empresa americana especializada em biotecnologia, gerou alvoroço global em abril ao anunciar o retorno do lendário lobo-terrível (Aenocyon dirus), extinto há cerca de 10 mil anos. Apontado como o primeiro caso de “desextinção” da história, o feito foi amplamente divulgado nas redes sociais, na imprensa e até na capa da revista Time. No entanto, o que parecia um marco científico logo virou motivo de polêmica — e agora, de desmentido.
Em entrevista à revista New Scientist, Beth Shapiro, cientista-chefe da Colossal, reconheceu que os animais apresentados não são, de fato, lobos-terríveis, mas sim lobos-cinzentos (Canis lupus) com cerca de 20 alterações genéticas. “Não é possível trazer de volta algo idêntico a uma espécie que já existiu. Nossos animais são lobos-cinzentos com 20 alterações genéticas clonadas”, admitiu.
Um lobo com maquiagem genética
Segundo Shapiro, a Colossal nunca escondeu as edições genéticas feitas nos lobos, mas o uso do nome “lobo-terrível” teria gerado “furor” na comunidade científica. O reconhecimento, porém, veio tarde demais para muitos pesquisadores, que viram no episódio uma tentativa de se apropriar indevidamente do conceito de desextinção.
Richard Grenyer, biólogo da Universidade de Oxford, afirmou que há uma grande inconsistência entre a nova fala da empresa e toda a sua comunicação pública anterior. “O conteúdo do site, os vídeos promocionais e o próprio anúncio sugeriam outra coisa”, criticou.
Da ficção à ciência: uma criação controversa
A escolha dos nomes dos filhotes — Rômulo, Remo e Khaleesi — reforçou a estética mitológica e pop da iniciativa. Os dois primeiros nasceram em outubro de 2024 e a terceira em janeiro deste ano, após gestação de uma cadela doméstica que recebeu o embrião modificado.
Para criar os filhotes, a Colossal extraiu DNA de fósseis de lobos-terríveis — um dente de 13 mil anos e um crânio de 72 mil anos — e comparou o material genético com o de lobos-cinzentos modernos. A partir disso, foram feitas 20 edições em 14 genes com técnicas como o Crispr, buscando replicar características físicas do lobo pré-histórico, como porte maior, pelagem branca, cabeça larga e vocalizações específicas.
Por mais sofisticado que tenha sido o processo, ele não recriou a espécie extinta. A base genética, afinal, continua sendo a do lobo-cinzento.
Farsa ou inovação científica?
O anúncio da Colossal foi imediatamente contestado por especialistas. Nic Rawlence, paleogeneticista da Universidade de Otago, na Nova Zelândia, explicou que o DNA de animais extintos é altamente fragmentado, tornando impossível cloná-lo com fidelidade. “É como colocar DNA fresco em um forno a 500 graus. Você até pode tentar remontar, mas ele não serve para criar nada funcional”, disse.
Segundo ele, o que a Colossal criou foi um híbrido com características estéticas similares, mas longe de ser um verdadeiro lobo-terrível. “É um lobo-cinzento com algumas adaptações. Não passa de um sósia genético”, afirmou.
Embora a própria Shapiro tenha dito, na época, que o DNA dos lobos-terríveis e dos lobos-cinzentos compartilha 99,5% de similaridade, os 0,5% restantes — cerca de um milhão de pares de bases — representam diferenças significativas, inclusive no comportamento e na fisiologia.
Além disso, há indícios de que os lobos pré-históricos tinham pelagem avermelhada, o que põe em xeque até a estética dos filhotes criados.
O perigo de brincar de Deus
A Colossal defendeu seu projeto como uma resposta à atual crise de biodiversidade. Segundo a empresa, técnicas como a edição genética poderiam ajudar a reverter a extinção em massa causada pelas mudanças climáticas e pela ação humana.
De fato, o planeta enfrenta uma perda alarmante de espécies: estima-se que 30% da diversidade genética global desaparecerá até 2050. Mas especialistas alertam para os riscos éticos e práticos dessa linha de pesquisa.
“A extinção precisa continuar sendo uma linha vermelha. Se começarmos a acreditar que tudo pode ser revertido, corremos o risco de relaxar nossos esforços de conservação”, advertiu Grenyer.
Mesmo reconhecendo o valor científico da iniciativa, ele reforça: “É transformador, é inovador, mas não é desextinção”.
Com informações da BBC News Brasil, New Scientist e BBC News.