Ex-comandante do Exército confirma ao STF que Bolsonaro apresentou minuta golpista e estado de sítio após perder eleições

Freire Gomes tentou suavizar relato dado à PF, mas admitiu discussão sobre ruptura institucional e prisão de autoridades

O ex-comandante do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes, confirmou ao Supremo Tribunal Federal (STF) que o ex-presidente Jair Bolsonaro apresentou uma minuta com propostas golpistas após perder as eleições de 2022. Em depoimento nesta segunda-feira (20) à Primeira Turma da Corte, o militar admitiu que foi chamado por Bolsonaro para reuniões no Palácio da Alvorada, onde foram discutidas medidas como Estado de Defesa, Estado de Sítio e Garantia da Lei e da Ordem (GLO).

Apesar da confirmação, Freire Gomes tentou minimizar o episódio, afirmando que os instrumentos estavam previstos na Constituição e que, por isso, o conteúdo do documento não lhe causou “espécie”. A justificativa foi recebida com desconfiança pelo ministro Alexandre de Moraes, relator da ação penal que apura tentativa de golpe. Moraes leu trechos do depoimento que o general havia prestado à Polícia Federal (PF) em março de 2024, e que, segundo ele, eram mais incisivos quanto à gravidade das discussões.

Na audiência, Freire Gomes manteve que Bolsonaro apresentou o documento como um “estudo”, sem pedir opiniões ou tomar medidas concretas na ocasião. Porém, reconheceu que o conteúdo incluía “considerandos” sobre a adoção de medidas excepcionais e alertou o então presidente que, sem apoio interno e internacional, poderia se complicar juridicamente.

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— Foram só lidos alguns considerandos, e neles constavam aspectos que remetiam a uma possível GLO, Estado de Defesa ou de Sítio. Mas muito superficial. O presidente apresentou apenas como informação e nos disse que era apenas para que soubéssemos que estava desenvolvendo um estudo sobre o assunto — declarou o general. — Eu alertei ao senhor presidente, com toda a educação, que ele deveria atentar para os apoios e os aspectos jurídicos, pois poderia ter um problema sério e ser implicado juridicamente nisso.

Freire Gomes também confirmou que a versão final da minuta trazia determinação de prisão de autoridades. Questionado, disse acreditar que a ordem se referia ao ministro Alexandre de Moraes.

— No último contato que nós tivemos com esse documento, fazia referência, sim, de alguma coisa com relação à prisão de autoridade. Acho que, no caso, era o ministro Alexandre de Moraes.

Outro ponto abordado foi o suposto posicionamento do ex-comandante da Marinha, almirante Almir Garnier. Freire Gomes afirmou que Garnier demonstrou apoio a Bolsonaro nas reuniões, mas tentou relativizar, dizendo que não viu “conluio” nem poderia inferir a intenção por trás da fala.

— O almirante Garnier tomou essa postura de ficar com o presidente. Apenas a diferença, ministro Alexandre, é que eu não posso inferir o que ele quis dizer com ‘estar com o presidente’. Agora, eu não omiti o dado. Eu reafirmo: ele disse que estava com o presidente.

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Moraes advertiu Freire Gomes, lembrando que uma testemunha não pode mentir ou omitir informações. Disse que ele teria de esclarecer se havia mentido à PF ou ao STF.

— Comandante, ou o senhor falseou a verdade na polícia ou está falseando a verdade aqui — afirmou Moraes.

O ministro também contestou a tentativa do general de suavizar o comportamento de Garnier, afirmando que o relato apresentado no STF era diferente daquele feito anteriormente.

Freire Gomes negou ter dado voz de prisão a Bolsonaro, como havia sido sugerido em depoimento do ex-comandante da Aeronáutica, Carlos Almeida Baptista Junior. Segundo ele, houve uma má interpretação.

Além de Moraes, participaram da audiência os ministros Cármen Lúcia, Cristiano Zanin e Luiz Fux. O depoimento integra a ação penal contra o chamado “núcleo crucial” da suposta organização golpista, que tem oito réus, incluindo Bolsonaro e o general Walter Braga Netto.

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