Em 16 de junho de 1988, o Superior Tribunal Militar (STM) absolveu, por 9 votos a 4, o então capitão do Exército Jair Bolsonaro. A decisão contrariou um parecer anterior do próprio Exército, que, cinco meses antes, havia considerado Bolsonaro culpado por “conduta irregular e atos que afetam a honra pessoal, o pundonor militar e o decoro da classe”.
O julgamento girava em torno da denúncia, feita pela revista Veja, de que Bolsonaro teria planejado a explosão de bombas em quartéis e no sistema de abastecimento de água do Rio de Janeiro. O ato seria um protesto contra os baixos salários dos militares. Bolsonaro sempre negou envolvimento no caso.
Da denúncia à absolvição
A trajetória que levou ao julgamento começou em 1986, quando Bolsonaro, ainda um cabo do Exército, publicou um artigo na Veja criticando os salários militares e atacando o então ministro do Exército, general Leônidas Pires Gonçalves. O episódio resultou em uma punição de 15 dias de prisão disciplinar.
No ano seguinte, a mesma revista revelou um suposto plano de Bolsonaro para explodir bombas em instalações militares e na rede de água do Rio. Segundo a reportagem, ele teria detalhado o esquema em croquis entregues à Veja, o que levou à abertura de um processo no Exército.
O STM, no entanto, absolveu Bolsonaro em um julgamento fechado à imprensa. O jornalista Luiz Maklouf Carvalho, que teve acesso ao áudio da sessão décadas depois, analisou as mais de 700 páginas do processo e publicou suas conclusões no livro O Cadete e o Capitão (2019). Segundo ele, a decisão foi influenciada pelo “espírito de corpo militar” e por uma hostilidade à imprensa, predominante entre os ministros do tribunal, muitos dos quais haviam sido indicados ainda durante a ditadura militar.
A imprensa como protagonista do julgamento
Maklouf destaca que, no STM, as críticas se voltaram mais contra a Veja do que contra Bolsonaro. No áudio do julgamento, ministros insultaram a repórter responsável pela denúncia e questionaram a credibilidade da revista, chegando a afirmar que a publicação “não vale o que come”. A liberdade de imprensa havia sido restabelecida no Brasil recentemente, e o ambiente de transição democrática ainda despertava resistências dentro das Forças Armadas.
O julgamento, segundo Maklouf, teve características que levantam suspeitas sobre um possível acordo para preservar Bolsonaro, desde que ele deixasse o Exército. O autor aponta a influência de figuras como o general Newton Cruz e a predominância de ministros nomeados durante a ditadura como fatores que podem ter favorecido a absolvição.
Embora tenha deixado a carreira militar pouco depois, Bolsonaro usou sua notoriedade nos quartéis para ingressar na política, elegendo-se vereador no Rio de Janeiro no mesmo ano da decisão do STM. O episódio ajudou a consolidar sua imagem como defensor das demandas salariais dos militares, um discurso que o acompanharia ao longo de sua trajetória política.